A Garota Nanda

Caíram no erro de se auto-proclamarem classe média. Dizem com orgulho que cresceram no bairro social e que não usaram o elevador social mas, ainda assim, treparam um degrau.

Não deixam de ser os meninos dos prédios. Sociais ou não, vivem na vertical. São os tais que se incomodam com os ciganos no prédios, porque prédios não são para ciganos e os gajos não sabem lá viver; arrancam as banheiras para dar de beber aos burros e as portas dos apartamentos porque não gostam de estar presos.

O arquitecto é o deus supremo, como se um operário precisasse de um operário para construir uma casa. São aqueles que acham as casas das ilhas insalubres e que indigno viver nelas. Uma casa própria feita com as próprias mãos é indigna? Ou é indigno viver numa casa desenhada por alguém que nunca foi pobre e que acha que tem de haver uma casa para cada um. Uma para o pai, outra para mãe, outra para o filho e outra para o espírito santo. Seis pessoas numa casa com três quartos, não.

A maior ambição de uma artista trepadora, criada na vertical, é encher a Casa Da Música. Encher como em esgotar. Porque uma casa cheia de gente que lá vive, não. Que badalhoquice. Mais de 20 milhões de contos de custo total, num desvio orçamental de quase 16 milhões de contos. Não dizem que há falta de casas? Não há, princesas. Há aí tantas, enormes, vazias, à espera que vá lá alguém tocar viola ou corneta ou a dar abrigo a pinturas que de história não tem nada. A história é oral, passa-se de boca em boca, não precisa de métricas, nem se paga para ouvir.

O que importa dizer que se vem do bairro social, cantar a liberdade e a igualdade? Quando o que se quer, afinal, é o mesmo que os outros todos: sentarem-se na mesa burguesa e deitarem-se com o poder. Mesmo que tenham crescido na vertical, dobram-se sempre e, quando derem por isso, já estão na horizontal.

Muitos deles dizem-se intelectuais, escutam a Garota Nanda, a Deolinda o Zeca Diabo ou outro pateta qualquer, andaram orgulhosamente na escola pública onde dizem ter aprendido tudo o que sabem, mas não aprenderam nada pela tradição oral dos analfabetos.

Um deles, o Almeida, agora meteu-se como editor-chefe do jornal do Galinha (que já não é do Galinha, mas de um fundo). Nos bons velhos tempos, já teria sido expulso do Partido como o Rates. Mas como os tempos são outros e as convicções pouco importam, tanto faz como tanto fez, e escrever Ruxelas em vez de Bruxelas, num jornal que ninguém lê, não faz grande mossa.

São gajos como este, que têm muito tempo livre e lêem muitos livros, que acham que o machismo é uma coisa de homens contra as mulheres, porque outros intelectuais da mesma espécie assim o fizeram crer, desconhecendo que o majismo é uma coisa nascida no século XVIII nos bairros populares de Madrid; coisa de pobres, contra os maneirismos e vestimentas afrancesadas que invadiram a Península Ibérica. Se não fossem os majos, não havia toureio a pé. Era tudo a cavalo e em exclusivo para os ricos, tal como é hoje a bola.

Ai a tourada outra vez, que crime! Selvagens que gostam de agarrar no boi espetado, quando podiam estar num camarim, com ar condicionado, a espetar um palito num croquete.

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