A Greve

Uma greve não se anuncia, faz-se.

Em Janeiro, os empregados do sector que o Papa Paulo VI baptizou como Comunicação Social, reuniram-se num congresso patrocinado por bancos, mercearias, construtores civis, companhias de electricidade e de telefones, entre muitas outras marcas e empresas, e chamaram a isso “Congresso dos Jornalistas“.

Uma reunião deste tipo, não é, nunca foi e nunca será um Congresso de Jornalistas, porque o Jornalismo e os Jornalistas são outra coisa que não tem nada a ver com este sucedâneo que alegremente ostenta o nome de baptismo que a igreja católica lhe deu e que aceita alegremente o alto patrocínio do Presidente da República.

No final dessa reunião, decidiram fazer uma greve de um dia e andaram a anunciá-la durante dois meses. Uma greve de um dia não resolve problema nenhum, muito menos se o problema que querem resolver não é o verdadeiro problema. Dizem exercer uma profissão sem perceberem que o Jornalismo não é uma profissão, mas sim uma vocação, tal como a política na concepção de Max Weber.

Uma semana antes destes empregados da comunicação social anunciarem a greve, entrámos nós — os que herdaram os valores e os ensinamentos de um Jornalismo quase extinto, que não precisa de carteira nenhuma, de ser regulado por entidade nenhuma, de um órgão registado ou de escrever em troca de um ordenado miserável — numa verdadeira greve silenciosa que hoje termina.

Não se escreveu uma linha sobre política, sobre religião, sobre economia, sobre comida ou bebida. Nada. Silêncio total. É como se tudo o que aconteceu neste período não tivesse acontecido. Quando uma coisa não acontece, não tem qualquer validade. É um período da História que ficará em branco, como muitos outros, noutros momentos históricos em que se fizeram greves semelhantes, voluntárias ou forçadas.

É assim, porque assim o determinámos, porque não pertencemos a classe nenhuma que não a nossa própria, em que todos se tratam por tu e por camaradas, em que se discute acerrimamente, mas se termina sempre em torno de um naco de pão e um petisco bem regado, à volta de uma mesa em que não se sentam nem padres, nem patrões, nem capatazes e onde os valores máximos são os mesmos de sempre: a nossa terra e a nossa liberdade.

Estamos apenas do nosso lado, um lado que eles não conhecem, nem nunca irão conhecer, porque somos nós que escolhemos quem entra e quem se senta à nossa mesa. Nós conhecemos bem o deles, porque andámos nas escolas deles, trabalhámos nas fábricas deles, fomos os melhores homens dos seus exércitos, conhecemos todos os jogos que fazem e não caímos em nenhuma das suas patranhas. Divertimo-nos com a grande queda, com as crises, com as guerras e com a grande ilusão que conseguem criar como se estivéssemos em frente a um palco que mostra, simultaneamente, os ensaios e os bastidores. Fazemos questão de mostrar os dentes todos — incluindo os partidos, os tortos e os que nos faltam — que esfregamos com vigor para que se notem bem quando rimos ou quando os cerramos de raiva.

Não é com choro e coitadismo que lá vão. Se não vos pagam o suficiente, não trabalhem. Se vos tentam dizer o que escrever ou sobre o que escrever, escrevam o contrário. Se vos falarem em leitores, digam que não são escritores. Se vos berram, cerrem os punhos e berrem mais alto. Se vos falarem em visitantes, indiquem-lhes o caminho para a retrete pública mais próxima. E quando vos falarem em métricas, tirem do bolso o metro dobrável de madeira, pintado de amarelo e feito na falecida Checoslováquia, e expliquem-lhes detalhadamente a diferença entre um marceneiro e um carpinteiro.

O Jornalismo faz-se de pé, longe dos magotes, em papel enrodilhado, com o bico do lápis afiado, não com o cu alapado numa cadeira confortável, a cabeça baixa e as costas curvadas. As perguntas fazem-se cara a cara e em voz alta e é sempre melhor que não tenham resposta, como na Filosofia, para que possamos ser nós a falar por eles e não o contrário.

Fim de greve, sigamos caminho.

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