Fábricas de Nada

As fábricas já há muito abandonaram as grandes cidades para se fixarem nos arrabaldes, em parques industriais feitos de chapa. No seu lugar, instalaram-se mercearias de grande dimensão com preços inflacionados e descontos fictícios que enganam papalvos que adoram passear carretas de metal pelos largos corredores e pagar alegremente nas caixas automáticas com os seus cartões plásticos.

Os edifícios dos grandes jornais diários foram vendidos e transformados em hotéis e os escritórios de pequenas empresas e profissionais liberais foram-se esvaziando, porque é mais lucrativo trabalhar a partir de casa, de uma forma mais flexível, deixando prédios inteiros vazios.

Se a lógica funcionasse, esses prédios poderiam ser transformados em habitação e as rendas poderiam baixar. Mas não é isso que acontece. Os proprietários (na maior parte dos casos, seguradoras, bancos e fundos de investimento), preferem mantê-los vazios até que apareça uma qualquer fábrica de nada internacional, disposta a investir.

Repetem-se anúncios para vagas de empregado de escritório ou amanuense, com definições mais elaboradas, que dão a ideia de um cargo de prestígio, mas com um ordenado de desgraçado bem abaixo do de um operário qualificado numa qualquer fábrica tradicional.

Nestas fábricas de nada não se sabe quem é o patrão, há muitos chefes em rotação contínua e o produto ou o serviço oferecido não é muito claro. Seja qual a função que se desempenha nestas fábricas de nada, a maior parte do horário de trabalho é ocupada a preencher relatórios em reuniões virtuais. Se, por exemplo, o trabalho consiste em escrever um texto tem de ser previamente escrita uma proposta que é depois apresentada a um grupo de pessoas que decidem se o texto poderá ser bom ou mau, muito antes de o lerem, sugerem alterações, faz-se nova proposta e por aí fora. Depois do texto estar escrito, repete-se o percurso de avaliação e análise, altera-se, muda-se e, em muitos casos, acaba por nem se usar aquele texto para nada. Quando se usa, tem depois de se escrever um relatório sobre ele e sobre todo o processo de construção do mesmo, incluindo números e valores, mesmo que não valha nada.

O texto é apenas um exemplo. Pode ser uma fotografia, uma ilustração, um trabalho gráfico, um vídeo ou qualquer outra coisa a que possa chamar conteúdo; o processo é sempre o mesmo. Uma tarefa que demoraria, no máximo, um par de horas a executar arrasta-se por dias ou semanas, devido a um esquema complexo que obriga a manter toda esta gente permanentemente ocupada, sentindo-se útil e realizada ao serviço de uma grande empresa internacional que em nada contribui para o crescimento da economia local, à excepção das grandes mercearias, da banca, das seguradoras e dos fabricantes e emissores de cartões de plástico que se usam para tudo e mais alguma coisa.

Este esquema circular faz parte de um grande simulacro, ainda maior que o simulacro político e o simulacro mediático, que faz com que as pessoas se desumanizem e deixem de conseguir interpretar e contemplar o mundo, ficando reféns de vidas inúteis e doenças físicas e mentais.

Nada surge do nada e nada de bom surgirá desta negatividade social, laboral e económica a que cada vez mais pessoas estão submetidas. É nisso que que se devem focar quando quiserem encontrar resposta para quase todas as perguntas que fazem diariamente e enchem o espaço noticioso.

Digite acima o seu termo de pesquisa e prima Enter para pesquisar. Prima ESC para cancelar.

Voltar ao topo