Músicos

Ao que parece, a última Polémica chateou alguns leitores porque visou um grupo muito sensível: os rabolhos. Lamento, mas esta vai ser ainda pior porque trata de um grupo ainda mais sensível: os músicos.

Rabolhos, músicos, periodistas (gente que escreve em jornais periodicamente), e excursionistas (militantes do Partido Comunista Português que têm como principal e, muitas vezes, única preocupação política e social participar em excursões a destinos variados) estão entre os principais leitores da Polémica. De acordo com as regras não os devia chatear e até lhes devia servir chá e bolinhos, mas aprendi com a minha avó e o velho Brito de A Merda [pt] que se não chatearmos ninguém, então mais vale estarmos sossegados a atirar pedras aos carros, a despejar sabão no chafariz da rotunda ou terra nas sanitas dos restaurantes caros

Vamos então aos músicos. Quem anda nas ruas e nas camionetas do Porto, frequenta petisqueiras, mercearias, oficinas ou tem gunas a fumar uns charritos à porta de casa sabe que a palavra músico é sinónimo de mentiroso, pantomineiro, farsante, trafulha, aldrabão… é comum ouvir alguém que sente que está a ser enganado por um gajo qualquer soltar a expressão “olha-me este músico” ou “já me estás a querer dar música”.

Quando pergunto à malta da minha rua o que acham das promessas do Molinhas da Câmara do Porto ou do caixa-de-óculos da junta do Bonfim sobre as prometidas obras dizem-me muitas vezes: “ ui, esses é que são músicos! Tira bilhete e espera sentado”.

Isto a propósito de quê? Do fecho do STOP, como é óbvio. Para quem não sabe, o STOP é um barracão ali ao pé do Chico dos Presuntos, que tem uma boa loja de roupa velha no piso térreo — por acaso, no Sábado, comprei lá uma camisa do Exército Americano do tempo da Guerra do Vietname, como nova, nem tem de se passar a ferro nem nada — no interior tem umas lojecas a cair de podres com uns gajos a tocar viola, bombo e uma lista interminável de instrumentos possíveis e imaginários, usados para ensaiar músicas de estilos variados.

O tal músico da Câmara do Porto que diz que vai mandar fazer obras na minha rua, mas não vai nada, mandou fechar aquilo e os gajos que lá ensaiavam para tocar em festivais, bailes e romarias (muitas vezes organizados pela própria câmara) estão muito chateados. Músicos contra músicos. No Minho chamam a isso: desgarrada. Faz-me lembrar aquela coisa dos polícias contra polícias no final dos anos 1980. Em que é que aquilo deu? Em nada. Ou melhor, deu: centenas de cargos dirigentes e dezenas de sindicatos que não servem para nada.

Isto dos músicos vai dar na mesma coisa, uns vão-se pôr amigos do Molinhas e vão arranjar umas salitas para tocarem os seus pífaros, pianos e pandeiretas, outros vão passar a ser empregados da Câmara e outros ainda, vão continuar na sarjeta, ou no underground, como se diz em estrangeiro. Quando chegarem as próximas eleições já não se lembram e votam outra vez num badameco qualquer destes que lhes promete mundos e fundos; ou melhor, nem votam, porque nesse dia tinham música. Têm sempre música quando são chamados à responsabilidade.

Não estou a dizer que não se unem. Unem, claro que unem se for para fazer um concerto de música para ajudar uma associação qualquer solidária com a Ucrânia que ninguém sabe quem é nem para onde vai o graveto angariado ou para arranjar comida para os gatos de rua, como se estes não se fartassem de comer ratos, pombos e gaivotas. São muito sabidos, os músicos.

Mas quem sou eu para falar de música? Deixo de ligar às bandas quando começam a atrair muita gente e a trepar degraus no meio musical. A maior parte dos concertos a que fui eram de bandas e músicos que nunca ensaiaram na vida (pelo menos parecia) e não convenciam muito mais de meia dúzia de gatos pingados. A maior parte dos sítios onde vi essas bandas já fecharam, porque nem os músicos lá iam. Nunca entrei na Casa da Música e não me lembro de alguma vez ter pago mais de dois contos para ver uma banda; o único Zé dos Bois que conhecia morreu há muitos anos, de desgosto, quando a ganadaria foi desmantelada porque tourada não é cultura; tocar cavaquinho e concertina é que é.

Não faço parte do público destes músicos, não há um concerto que me desperte interesse no Porto há vários anos e tanto me faz, como tanto me fez o que pensam os músicos. A única coisa que sei tocar é A Internacional em gaita de beiços (acho que os músicos lhe chamam harmónica).

Se forem músicos desalojados e quiserem aprender a tocar enquanto esperam por novidades ou milagres (podem pedir ajuda ao Paulo Cantigas, empregado do PCP que, ao que parece, dá-se bem com padres e bispos), deixo aqui uma versão bastante simples:

3  4  -3  -4 4    3    2    -3″ -2″ -3″ -4 4  -3 -3″ 3  -2″ 2  3   4 -3  -4  4  3   2   -3″ -2″  4  4   -3   -3  -4  -5  -3  4 5 -4 -3  -3  -3″  -3   4 -3″ -3 3  3  3   -3″ -3″ -3″ -4 4 -3  -4    -4     -3   3     3  -2″  3  5 3 -3″  -3    4   -3  -4 -3″ -3″  3 5 -4  4   3    -3″  -3″ -2″ -4   4   -3   -3   -3″ 3   3  3   5 5 -4  3 4 -3 -3 -3″  3  -3″ -4  -4 5 -4  4   3    -3″  -3″ -2″ -4   4   -3   -3   -3″ 3   5  5  6 6 -5 -4 5 -5 -5  5   5  -4 4   4

Não precisam de sala de ensaios nem nada. Podem ir ensaiando na rua. Com sorte, os turistas ainda vos deixam uma moedita. Também não precisam de agradecer. Como não sou músico, não vão lá com palminhas nem agradecimentos; não abdico dos meus direitos de autor da ideia e depois passo para recolher o meu quinhão ou como diria um dos poucos músicos que aprecio “não batam palmas, atirem dinheiro”.

Li no JPN [pt] que na segunda-feira há um protesto em frente à Câmara Municipal encabeçado por um Manso. Sugiro que levem os bombos e os megafones e entoem o seguinte: “Mansos nos querem, mansos nos terão (se forem músicos de fora do Porto tomem nota que no Porto terão diz-se ’terom’)” pom pom pom… pom pom pom pom.

Se quisessem fazer um protesto mais abrangente, podiam fazer antes ali em frente à minha rua. Assim também aproveitavam para protestar contra o atraso das obras, a circulação incessante de riquexós, o abandono de carripanas, o berreiro constante da filha dos meus vizinhos e outras questões menos importantes que a música que o pessoal do Bairro Fernão Magalhães também tem para resolver com a Junta e a Câmara. No fim podem ir comer uns frangos assados ao Madureiras; sei que é uma comida que se dá muito aos músicos. Aquilo tem ali um jardim grande com sombra e um antigo hotel abandonado com muitas assoalhadas e excelentes vistas, que pode muito bem substituir o STOP. É só desemparedar e fazer uma puxada de electricidade. Também dava para albergar gente que mora na rua, mas tratemos primeiro dos músicos que é mais importante.

Se calhar estou a ser egoísta ao pedir para se juntarem a um protesto que não é deles, que não está na ordem do dia e que só afecta gente sem cultura, que nunca pisará um palco. Gente burra, sempre zangada com tudo e sempre preocupada com o fim do mês em vez de aproveitar o tempo livre para ir ver uns concertos.

Realmente, os protestos só interessam quando se trata de salvar os músicos e a música e houver gente conhecida lá no meio. É a velha história da cigarra e da formiga.

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