Há gajos que se enfiam em edifícios a ver peças de teatro que duram quatro horas. Peças de gordos, para gordos. Quatro horas é metade de um dia de trabalho, dá para ouvir oito vezes um disco dos Ramones ou fazer uma maratona (duas se forem quenianos).
O que estes gordos não sabem, nem querem saber, é que o teatro, tal como a filosofia, são coisas para se fazerem no Liceu e pronto, arrumar.
É claro que se aparecer um gordo destes todo lampeiro, armado em vulto do teatro, um gajo vai lá aos armazéns da memória e diz-lhes: “Bernarda, cara de leoparda”, é claro que os gajos não percebem nada e vão pensar que estamos a falar de circo, porque aos 15 anos não passavam manhãs a ensaiar a Casa de Bernarda Alba. Deviam estar a ver o Songoku ou a ler a revista Bravo, mas agora encenam peças de quatro horas com cenários de merda, quando comparados com os que meia dúzia de putos — que até detestavam teatro — faziam.
Entre ter aulas de latim e encenar a Metamorfose do Kafka, a escolha era óbvia. Também se faziam novas e experimentais ou mesmo Teatro de Cordel. Tudo aquilo era preferível à seca do latim. Não era por ser teatro, nem por sermos muito intelectuais ou querermos ter carreiras de sucesso. Era o que era, mas deu-nos argumentos para dizer que o rei vai nu.
Qualquer atrasado encena uma peça de teatro e qualquer atrasado pode ser actor. Vejo muitos gajos a cravar trocos que, em poucos segundos, encenam melhores peças de teatro que qualquer encenador consagrado. Para além de as encenarem, também desempenham o papel principal e, se não os interrompermos, aquilo vai dar a um monólogo do arco do velha que nunca mais acaba. Às vezes é improviso, outras não. Em quatro horas, se não fizerem cem peças destas e não fizerem pelo menos dez contos, estão fodidos. No teatro das quatro horas, não. Mesmo que não apareça ninguém, o dinheiro chega lá, vindo da Europa, onde o que também não falta são actores.
Fazem de tudo para subir na vida como o novo director do blog Público que, em vez de se deixar estar sossegado a fazer a sua fanzine ou a cantar nos Cães Vadios, mete-se com esta gente da democracia liberal e dá por si a alimentar e a dirigir a fantochada a que insistem em chamar jornal.
Mas é assim a vida, não é? Dantes, lançava-se uma rede ao mar, arranjava-se uma parelha de vacas para a puxar e havia peixe para dar, vender e alimentar a bicharada; sobretudo os porcos, porque as vacas sempre foram esquisitas com a comida como os grunhos ruminantes que agora as defendem e que acham mal que as ponham a trabalhar. Os mesmos que pagam três contos por um quilo de fruta e que acham que os mar é para passeios turísticos.
Democracia liberal, dizem eles. Teatro trágico, digo eu.